terça-feira, 25 de junho de 2013

Verde que mata

Fonte: Revista Galileu

As estratégias de caça de algumas das plantas carnívoras mais estranhas do mundo são perturbadoras, muito além do que os botânicos poderiam imaginar

Monstruosas comedoras de 
homens. Devoradoras de donzelas. Flores do mal. Desde que a ciência encontrou as primeiras pistas de que algumas plantas tinham uma queda por carne, surgiram histórias terríveis sobre o que pode estar escondido nas selvas distantes. Muitos leigos engoliram relatórios sobre plantas que comem humanos e flores com sede de sangue, mas naturalistas tiveram dificuldade em aceitar a idéia de que vegetais poderiam ser carnívoros. Nos anos 1770, o naturalista sueco Carl Linnaeus descartou a hipótese como sendo "contra a ordem da natureza". Mesmo um século depois, quando Charles Darwin relatou suas observações sobre plantas que capturavam e devoravam insetos, alguns ainda se recusaram a acreditar. Um botânico achou a noção tão ofensiva que definiu os estudos de Darwin como "lixo científico".
Desde então, biólogos têm se acostumado com a idéia de que algumas plantas comem animais. Mas mesmo eles não podiam imaginar as novas descobertas sobre um grupo de plantas carnívoras, as nepentes, que estão mandando para o ralo algumas crenças antigas. Experimentos cuidadosos, vídeos em alta velocidade e muito trabalho duro nas florestas de Bornéu, na Indonésia, estão revelando que essas plantas são muito mais capciosas e ativas na hora de aniquilar suas presas do que jamais se suspeitou. Existem até indícios de que algumas plantas carnívoras possuem "estratégias de caça" parecidas com as de animais predadores.

"Plantas carnívoras têm sido estudadas por tanto tempo que seria possível imaginar que tudo já tivesse sido descoberto", afirma Walter Federle, que investiga a biomecânica de insetos na Universidade de Cambridge. "Mas botânicos trabalharam principalmente com espécies herbárias ou plantas em estufas. Estudos conduzidos sob condições naturais estão mostrando um lado totalmente novo sobre o modo como as plantas carnívoras capturam e matam suas presas."
Com suas bocas entreabertas e marcas em vermelho-sangue, as nepentes têm uma aparência apavorante e podem capturar uma grande variedade de bichos, a maioria insetos, mas também aranhas, escorpiões, centopéias, lesmas, sapos e, até mesmo, um rato. Ainda assim, suas armadilhas não são sofisticadas quando comparadas às de outras plantas carnívoras.
A dionéia se fecha sobre insetos desprevenidos em uma fração de segundo, a drosera efetivamente abraça suas vítimas com armadilhas do tipo "papel pega-mosca", enquanto a utricularia ostenta armadilhas de sucção explosiva. 
Dionéia
Norte-americana, tem rizomas que se enterram em profundidades de até 10 cm, o que faz com que ela sobreviva a incêndios florestais
Como ela mata
Seduzir para assassinar. Essa é a tática da dionéia, que exala um néctar que atrai os insetos. Pêlos táteis funcionam como radar e indicam a proximidade de uma possível presa. Quando isso ocorre, a mandíbula se fecha com força, muita força. Tanto que alguns insetos morrem pelo impacto, e não pela ação dos líquidos segregados pelas glândulas digestivas da planta

Mesmo com toda a sua aparência repugnante, a nepente parece estar equipada apenas com a mais básica das armadilhas, a "cilada" passível. Pelo menos era o que pensavam os botânicos.
A maioria das cerca de cem espécies de nepentes cresce em florestas úmidas do sudeste da Ásia, geralmente em solos pobres ou como epífitas - plantas que vivem sobre outro vegetal, mas sem "roubar" nutrientes. Para complementar sua alimentação, elas capturam e digerem animais em cavidades cheias de fluido. Essas bolsas são folhas altamente modificadas e, apesar de variarem muito em tamanho e forma - de tubos do tamanho de um dedo a enormes jarros de 3 litros -, todas seguem um mesmo padrão. A boca tem as extremidades - ou peristômios - bem pronunciadas, com glândulas que produzem néctar logo abaixo da borda interior, que atrai a presa para a cavidade. Por dentro, as paredes são organizadas por zonas. A zona superior é macia e encerada, enquanto as paredes abaixo da superfície da cavidade com fluido são pontilhadas por glândulas que produzem enzimas digestivas que ajudam a dilacerar os cadáveres das presas afogadas.
Nepentes
Natural da Ásia, especialmente da Indonésia, esse tipo de planta é encontrado em mais de 70 espécies
Como ela mata
"Cuidado, piso escorregadio." Todo exemplar de nepente deveria vir com esse aviso. Vista de fora, ela parece inofensiva, com seu aspecto de cachimbo com tampa. Mas o néctar produzido pelas suas glândulas e o cheiro de possíveis animais decompostos em seu interior acaba atraindo seres incautos. Recoberta de um líquido pra lá de viscoso, a fenda da planta impossibilita que qualquer coisa pare em pé ali sem escorregar para o interior da urna. Lá há um líquido no qual as presas encontram o pior dos infernos. Segregada pelas glândulas digestivas, a substância dissolve um inseto rapidamente. O prato predileto das nepentes são as formigas, mas elas também degustam aranhas, rãs e até ratos.

Estudos anteriores concluíram que a zona encerada era uma parte crucial do mecanismo de armadilha. Apesar de as patas dos insetos geralmente poderem agarrar na mais lisa das superfícies, aqui eles são derrotados pelos cristais de cera que se soltam quando tocados. Em experimentos feitos em laboratório, nem formigas, nem moscas conseguiram manter as patas sobre a zona encerada. Inapelavelmente caíram dentro do fluido.
A cera também barrou a saída de todas que tentaram escalar para fora novamente. Ainda assim, Federle percebeu que não poderia dar o caso por encerrado. "Insetos freqüentemente caem e passam direto pela extremidade e para dentro do fluido, sem nem mesmo tocar na camada com cera", afirma ele. E mais: algumas espécies de nepentes não têm uma zona encerada, enquanto outras têm algumas cavidades com e outras sem. Mesmo assim, ambas são efetivas na captura de presas.
Na busca por uma explicação, Federle e seu colega Holger Bohn viajaram para as florestas pantanosas de Brunei, a noroeste de Bornéu. O plano era observar o comportamento de diversas espécies de formigas nas nepentes bicalcaratas, um tipo com cavidades sem cera.   
Infelizmente, houve pouca coisa para relatar. Como outros pesquisadores constataram anteriormente, é raro testemunhar o exato momento em que a planta captura o inseto. A maioria das formigas que vagou sobre uma cavidade saiu de novo sã e salva. Então Federle e Bohn tiveram uma revelação. Retornando ao seu campo de estudo, logo após uma chuva forte, eles ficaram espantados de ver todas as formigas que pisaram sobre a extremidade da cavidade escorregarem, sem saída, para dentro do fluido abaixo. No interior das cavidades, muitas outras formigas lutavam para boiar, indicando um influxo repentino e recente.
A razão era óbvia, mas completamente inesperada. Os peristômios das cavidades estavam particularmente molhados e brilhantes. Isso é raro, pois geralmente eles repelem a água na forma de gotas que rolam para fora. Há algo de diferente na química da superfície do peristômio que o torna altamente absorvente. Quando Federle pingou água sobre um peristômio seco, ele descobriu que ela se espalhava em segundos para formar uma película sobre a superfície.
De volta para casa, em experimentos em laboratório, ele e Bohn descobriram que essa película de água destruiu o apoio de uma formiga, evitando um contato mais próximo entre suas patas e a epiderme da planta. Como pneus de carros em uma estrada molhada, insetos sobre um peristômio molhado aquaplanavam diretamente para a entrada da cavidade. O efeito era tão dramático que Federle ficou espantado por ninguém ter percebido isso antes, mesmo que pesquisadores anteriores tenham, na verdade, colocado a extremidade como parte do mecanismo de armadilha. Não é "escorregadio... Pequenos insetos podem andar livremente sobre ele", um deles escreveu. "O peristômio parece oferecer um apoio seguro para grande parte dos visitantes invertebrados", concluiu outro. Claramente eles não haviam presenciado uma nepente em condições de umidade.
Mais investigações mostraram que o mecanismo do peristômio quando molhado é igualmente importante para as espécies de nepentes que têm paredes interiores enceradas. Na alata, por exemplo, Bohn e Federle descobriram que as paredes enceradas ajudavam a capturar presas quando o peristômio estava seco. Quando estava molhado, entretanto, a maioria das formigas caíam diretamente no fluido, e a taxa de capturas triplicava. "Nós suspeitamos que a aquaplanagem fora do peristômio é a armadilha fundamental. Outras estruturas de armadilha estão ausentes em algumas nepentes, mas a extremidade está presente em todas as espécies", diz Federle.
A tática de deslizamento da cavidade não é a única que foi revelada recentemente. Na França, a ecologista Laurence Gaume, da Universidade de Montpellier, e o físico Yoël Forterre, da Universidade de Provence, descobriram outro mecanismo inesperado e que se apóia nas propriedades peculiares do fluido da cavidade. Como Federle, Gaume estava intrigada pelo fato de as cavidades sem paredes enceradas serem bem-sucedidas na captura de insetos. Ela também havia estado em Brunei para estudar as cavidades, dessa vez da nepentes rafflesiana, uma espécie comum com um amplo espectro de presas. Gaume percebeu que o fluido da cavidade era viscoso e que filamentos fibrosos se formavam quando ela o esfregava entre os dedos. Ela também percebeu que insetos que caíam dentro desse fluido descobriam que era impossível sair dele. Em vez de repelir o fluido, eles logo ficavam molhados e afundavam. Gaume suspeitou então que o fluido possuía propriedades inusitadas que auxiliavam na captura e retenção da presa.
De volta à França, Gaume se juntou a Forterre para investigar. Eles rejeitaram qualquer tipo de ataque químico rápido: no laboratório, os insetos saíram do fluido, se secaram e seguiram seu caminho. A tensão da superfície também não entrou na conta: os insetos afundariam mais rapidamente se o fluido tivesse uma baixa tensão na superfície. Uma terceira possibilidade era o fluido ser composto por tensoativos, o que ajudaria a molhar os insetos. Os pesquisadores descartaram isso também quando descobriram que apenas insetos em movimento ficavam molhados e se afogavam. Se insetos imobilizados fossem atirados no fluido, eles permaneciam secos. Isso sugeria que quaisquer que fossem as forças, elas eram iniciadas pelos insetos.
Imagens em alta velocidade confirmaram que algo estranho acontecia. Jogadas dentro de um tubo de ensaio com água, moscas voaram para fora em segundos, e as formigas nadaram para as laterais e subiram. Ainda assim, quando jogadas em tubos com o fluido, nenhum inseto escapou.
"Primeiro eles lutavam", diz Gaume. "Logo começaram a ficar cobertos pelo fluido e impossibilitados de mover asas ou levantar patas." Em um momento especial da filmagem um filamento pegajoso visivelmente reprimiu a perna de uma mosca. Também ficou evidente que, quanto mais um inseto lutava, mais rápido era pego, como se estivesse preso em areia movediça.
Drosera
Só não há esse gênero de planta na Antártida. Seu nome vem do grego e significa "coberta de orvalho"
Como ela mata
Aqui, a armadilha é similar à do papel pega-mosca. O inusitado é o sistema de atração. Aos olhos dos insetos, essas gotículas que brilham ao sol parecem um refrescante orvalho. Só percebem o truque quando já estão atolados até a alma nessa gosma grudenta. Tentar fugir só piora a situação, pois os movimentos do inseto estimulam a planta a lançar novos tentáculos sobre o bicho, que termina seus dias completamente envolvido pelo muco transparente que sai da drosera. Depois de "embalado", o inseto é conduzido até o centro da planta, onde ficam as glândulas que segregam o líquido digestivo que vai fazer com o bicho a mesma mágica que o café com leite opera em bolacha maria.

Forterre percebeu que o comportamento do fluido era típico de líquidos complexos que contêm longas cadeias de polímeros, conhecidos como fluidos viscoelásticos. Qualquer movimento a partir do fluido deforma os polímeros, alongando-os como se fossem pequenas molas e gerando neles forças elásticas. Se o movimento cessar, os polímeros podem relaxar: "Se o movimento é lento, as forças elásticas têm tempo para relaxar, mas, se for mais rápido do que o tempo de relaxamento, elas podem alcançar valores enormes", afirma Forterre.
Suas medições mostraram que insetos que caem dentro do fluido movem seus membros tão rapidamente que as forças elásticas continuam crescendo. "Parece que estão nadando em geléia", diz Gaume. Para tornar as coisas ainda piores, enquanto a vítima tenta colocar um membro para fora do líquido, traz junto uma trilha de fluido que, em vez de se dispersar em gotas, estica, criando um filamento elástico. "Os filamentos são como cordas elásticas, que são difíceis de serem rompidas pelos insetos", diz Forterre.
Para as plantas que crescem em hábitats chuvosos, uma armadilha baseada em fluido elástico tem uma outra vantagem: continua funcionando mesmo quando muito diluído. Nesse caso, é eficiente mesmo com apenas 5% de sua concentração original. "Você precisa de apenas uma baixa concentração de polímeros para obter um efeito elástico", afirma Forterre.
Os pesquisadores estão agora investigando a química do fluido e suspeitam que ele possui polissacarídeos, assim como a goma de outras plantas viscoelásticas. Também querem saber qual a incidência dos fluidos em plantas carnívoras. "Temos informação preliminar que sugere que muitas espécies de nepentes podem usar uma armadilha elástica", diz Gaume. "É uma característica oculta. Pode ser mais comum do que imaginamos."
Para Federle, essas descobertas indicam que pode haver plantas carnívoras com outros meios de matar presas que ainda não foram descobertos: "Nós achamos que o peristômio úmido é provavelmente universal, mas há uma série de mecanismos para a retenção de presas". Para Gaume e Forterre, as descobertas aumentam a possibilidade intrigante de as cavidades não serem armadilhas tão passíveis como todos pensam. "As nepentes podem não mostrar um movimento tão dramático como o de outras plantas, mas o mecanismo de armadilha também é baseado em forças elásticas ativadas pelo movimento de um inseto", conta Gaume.
Utricularia
Encontrada nos cinco continentes, essa planta é das mais variadas, com alturas que podem atingir de 10 cm a 1 m
Como ela mata
Não se deixe enganar pela aparência singela. Essa planta é uma assassina eficiente e rápida. De suas bolhas ovais saem pêlos sensíveis ao toque. Coitado do inseto que tocar num deles. Com seu interior a vácuo, a utricularia abre a bolha e aspira brutalmente o condenado para o seu interior. Depois, mais calminha, a planta passa horas digerindo a presa. Em um ou dois dias, a armadilha está pronta para ser utilizada novamente

Os últimos estudos de Federle deram peso a essa idéia. Em 2005 e 2006, ele retornou a Brunei com Bohn e seu colega Ulrike Bauer e colocou sensores nos peristômios de exemplares de nepentes rafflesiana. Monitoramento dia e noite revelou que havia um ciclo diurno distinto de umidade, tivesse chovido ou não. Na maior parte do dia, as cavidades tinham as extremidades secas e não capturavam nada, mas, no começo da noite até logo cedo de manhã, elas ficavam molhadas e eficazes nas armadilhas.
A dramática mudança diária de umidade não era um simples resultado da condensação da água quando a noite esfriava. O time também observou um aumento na quantidade de néctar à noite, e seus experimentos mostraram que esse néctar é higroscópico, ou seja, absorve umidade do ar. Essas descobertas deixaram Federle confuso. Por que uma planta carnívora teria desenvolvido um mecanismo para armadilhas que funciona apenas intermitentemente? Ele acha que esse aparente defeito pode ser parte de uma estratégia para aumentar o número de insetos capturados.
Botânicos acreditavam que plantas carnívoras estavam sempre com as armadilhas prontas. Federle mostrou que esse não é o caso da nepente. O momento de a armadilha ser acionada varia não apenas entre o dia e a noite, mas também de acordo com o clima, quando as plantas crescem e o néctar é segregado. Federle diz que essa improbabilidade pode não ter evoluído pela mesma razão que animais predatórios caçam apenas intermitentemente, para tornarem mais difícil para suas presas desenvolver recursos e evitar a captura. "A improbabilidade é importante para as nepentes", diz Federle. "Formigas visitantes podem pisar sobre uma extremidade inofensiva ou escorregadia. Elas só não podem saber a situação antes de pisarem."

terça-feira, 18 de junho de 2013

As Espertas Plantas Carnívoras




Audrey II e A Pequena Loja dos Horrores

A comédia musical "A Pequena Loja dos Horrores", um filme produzido em 1986, tem como personagem principal nada menos que uma planta carnívora completamente descontrolada, que espalha verdadeiro pânico numa pequena cidade dos Estados Unidos, devorando pessoas na floricultura onde vive. A planta do filme, chamada Audrey II, foi inspirada na espécie Dionaea muscipula e retrata bem a imagem exagerada que se tem destas plantas interessantes.

As plantas carnívoras são fruto da evolução de certas espécies que buscaram uma forma de sobreviver nos solos pobres em nutrientes orgânicos. Essas plantas passaram a retirar do ambiente o complemento alimentar que a terra não lhes fornecia. As primeiras plantas carnívoras que surgiram na Terra desenvolveram métodos para aprisionar e digerir animais e, assim, utilizar suas proteínas - ricas em nitrogênio - como fonte de nutrientes. Estima-se que isso tenha ocorrido há cerca de 65 milhões de anos - na época dos dinossauros!

Acredita-se que as plantas carnívoras evoluíram a partir de plantas que capturavam parasitas para se defender deles, como no caso do Plumbago. Os insetos ficavam presos nas glândulas colantes das folhas e, com o tempo, morriam e apodreciam. Daí, as novas carnívoras especializaram suas folhas, distribuindo glândulas colantes por toda sua extensão para melhor capturar as presas. O interessante é que elas evoluíram também para atrair as presas. Dessas folhas colantes, de ação passiva, evoluíram folhas de ação ativa, mais complexas, como as armadilhas da Dionaea (dionéia), os ascídios das Nepenthes e Sarracenia e até as esquisitas armadilhas subterrâneas/aquáticas da Utricularia e Genlisea.

Em um certo ponto, as enzimas que normalmente realizam a digestão de proteínas em sementes teriam sido transferidas para outras regiões da planta, assim se especializando na digestão das pragas capturadas, tornando-se plantas competitivas nos solos pobres em nutrientes.

Atração fatal
 
Dionaea muscipula

Atualmente, são conhecidas mais de 500 espécies de plantas carnívoras, espalhadas pelo mundo. No Brasil, existem mais de 80 espécies diferentes. Somos o segundo país do mundo a possuir mais espécies de carnívoras; o primeiro é a Austrália. Aqui, elas crescem principalmente nas serras e chapadas. Podem ser encontradas em quase todos os estados, sendo mais abundantes em Goiás, Minas Gerais e Bahia.

As plantas carnívoras crescem em solos pobres em nutrientes - a maioria em solos encharcados (como brejos), de pH baixo (ácido), às vezes pedregosos. Ao contrário das flores, que atraem e às vezes até prendem insetos para garantir a polinização, as plantas carnívoras têm como comportamento típico a necessidade de atrair, capturar e digerir pequenos seres do reino animal. Muitas carnívoras atraem suas presas da mesma forma que as flores atraem seus polinizadores: com formas, cores, substâncias químicas e odores. Outras se aproveitam dos padrões de luz ultravioleta de suas armadilhas para atrair insetos voadores.

É comum encontrarmos na literatura o nome "insetívora" para estas plantas, mas muitos dos estudiosos sobre o assunto discordam e afirmam que tal termo não é correto. Insetos são o principal elemento de seu cardápio, mas a dieta das carnívoras pode ser bem variada, incluindo desde organismos aquáticos microscópicos, moluscos (lesmas e caramujos), artrópodes em geral (insetos, aranhas e centopéias) e, ocasionalmente, pequenos vertebrados como sapos, pássaros e roedores.

As plantas do gênero Nepenthes são as que possuem as maiores armadilhas, podendo chegar a meio metro de altura cada e armazenar até 5 litros de água! Estas plantas com freqüência capturam presas grandes. Na verdade, supõe-se que os vertebrados tornam-se presas acidentalmente: ao procurar por insetos presos nas armadilhas, em busca de alimento, os mais debilitados não conseguem escapar e acabam passando de predador à presa.


Nepenthes khassiana

De jaulas a folhas colantes Há vários tipos de armadilhas utilizadas pelas plantas carnívoras para capturar suas presas:

* As armadilhas "jaula" são as mais famosas por ser a própria representação da ação carnívora por meio de vegetais! As folhas são divididas em duas partes, como se fosse uma boca, com gatilhos no interior. Ao ser tocado pelo inseto, o gatilho aciona um mecanismo que fecha as metades da folha em incríveis frações de segundo. Elas só voltam a se abrir após as enzimas terem digerido o animal. A propósito, tais enzimas proteolíticas são fracas e, por isso, inofensivas à pele humana e aos animais de médio e de grande porte. Esse tipo de armadilha é encontrado na Dionaea (Dionéia) e Aldrovanda. A dionéia é a mais popular e ativa das plantas carnívoras; tem folhas de 8 a 16 centímetros. O inseto capturado é digerido pelas glândulas digestivas da folha da dionéia durante 5 a 15 dias.


Dionéia

* Armadilhas de "sucção" são utilizadas por todas as espécies de Utricularia, pois elas vivem submersas em água doce ou brejos. Essas espécies possuem pequenas 'bolsas' (utrículos), cada qual com uma minúscula entrada cercada por gatilhos que quando estimulados provocam a abertura dessa entrada. Em razão da diferença de pressão entre o interior e o exterior da 'bolsa' quando a entrada é repentinamente aberta, tudo ao redor é sugado para dentro, incluindo a presa que estimulou o gatilho.

* Armadilhas do tipo "folhas colantes" são as mais simples e encontradas em algumas famílias sem parentesco próximo. Basicamente, são glândulas colantes espalhadas pelas folhas ou até pela planta toda. As presas são, na maioria das vezes, pequenos insetos voadores. Esse tipo de armadilha é encontrado em Byblis, Drosera, Drosophyllum, Ibicella e Triphyophyllum. Dentre estas, a Drosera apresenta movimento nas glândulas, às vezes na folha toda, enrolando-se sobre a presa para colocar mais superfície em contato com ela, de forma a ajudar a digestão e a subseqüente absorção. Com folhas de 2 a 35 centímetros, com longos pêlos glandulares, semelhantes a tentáculos que segregam líquido pegajoso, brilhante e com odor de néctar, elas se curvam para prender os insetos e raramente reagem a um movimento que não seja o de uma presa em potencial. Quanto mais o inseto se debate, mais preso fica pelo líquido viscoso, que contém as enzimas digestivas. Os nutrientes do animal são absorvidos em cerca de 5 dias. Após isso, a folha se desenrola, pronta para nova captura.

* "Ascídios" são folhas altamente especializadas, inchadas e ocas, que se parecem urnas ou jarras, com uma entrada no topo e um líquido digestivo no interior. Também podem estar presentes em algumas famílias sem parentesco próximo: Cephalotus, Darlingtonia, Heliamphora, Nepenthes, Sarracenia, etc. Capturam desde pequenos vertebrados até minúsculos invertebrados. As presas caem no líquido digestivo, ali se afogam e são digeridas. Seus restos se acumulam no fundo, às vezes enchendo a armadilha até o topo! A Darlingtonia, por exemplo, é popularmente chamada de planta-jarra. As folhas, inicialmente delgadas, adquirem forma tubular. As maiores chegam até 90 centímetros de comprimento, assumindo finalmente o aspecto de jarra, com ápice alargado. A jarra é provida de nervuras vermelhas e funciona como armadilha. Os insetos caem no líquido que se acumula no interior da urna em função da cera adesiva que existe na parede interna da parte superior da jarra. Esta espécie é encontrada normalmente em barrancos úmidos e nas margens dos rios. Sua principal característica é o fato de usar bactérias para fazer a digestão dos insetos que aprisiona.

Como cultivar as principais plantas carnívoras


Nepenthes albo marginata

Antes de falar sobre os cuidados específicos das principais carnívoras, é importante tratar sobre o substrato usado para o cultivo. O solo deve ser basicamente pobre em nutrientes, de pH baixo (ácido). A exceção fica por conta de algumas espécies de Pinguicula, que necessitam de pH alto. Não há exatamente um consenso entre os cultivadores no que diz respeito ao substrato que deve ser usado. Alguns utilizam a mistura de pó de xaxim e musgo (do gênero Sphagnum) em partes iguais; outros preferem uma mistura de: pó de xaxim, musgo e areia em partes iguais. Para eles, a areia melhora a drenagem do solo, tornando-o mais próximo do tipo de solo do habitat natural de algumas carnívoras. A areia deve ser de rio e não do mar (pois contém muitos sais, prejudiciais a estas plantas). Esta areia deve ser bem lavada, até que a água escorra de cor clara. Com o passar do tempo (em média 2 a 3 anos), o musgo se decompõe, sendo necessário replantar a carnívora em um novo substrato. Tanto o pó de xaxim como o musgo são ser encontrados em lojas de produtos para jardinagem.

Dionéia
Necessita de muita luz, calor e umidade. O ideal é mantê-la em um local onde receba um pouco de sol direto por dia. Recomenda-se manter o substrato sempre úmido, regando duas vezes ao dia ou mantendo o vaso em um pratinho com água (sempre sem cloro). Não há necessidade de adubações.

Para obter novas mudas em casa: Retirar mudas laterais que se formam com o tempo e plantar em outro vaso. Outro método simples é retirar uma folha saudável, sem a parte da "boca", e deixá-la deitada em um vaso com a mistura descrita acima. Mantenha num local sem luz direta, com o substrato sempre úmido até surgirem novas mudinhas. A multiplicação por sementes e por meristema são métodos bem mais complicados para serem realizados em casa.

Droseras
Conhecidas popularmente como dróseras, elas possuem um líquido parecido com cola que cobre suas folhas e atrai os insetos pelo do seu odor. Os cuidados são os mesmos recomendados para as dionéias, resumindo-se em muita luz, calor e umidade. Não há necessidade de adubações.

Para obter novas mudas em casa: As dróseras se multiplicam com muita facilidade por meio de sementes que se soltam quase o ano todo. Só é necessário colocar as mudas novas em outros vasos preparados com o substrato.

Sarracênias
Os cuidados são os mesmos recomendados para as dionéias e dróseras. Não há necessidade de adubações.

Para obter novas mudas em casa: As sarracênias multiplicam-se por meio da divisão de touceiras. A nova muda deve ser plantada num vaso pequeno preparado com o substrato.

Nepenthes
A Nepenthe é uma das poucas plantas carnívoras que se adapta à meia-sombra: gosta de local sem sol direto, mas com muita luminosidade. Recomenda-se regá-la de duas a três vezes por semana. Embora existam controvérsias, alguns cultivadores indicam uma adubação mensal com uma mistura de farinha de osso com torta de mamona.

Para obter novas mudas em casa: A multiplicação é feita por meio de estacas: corte um pedaço de 15 cm da planta com 2 a 3 folhas. Espete 5 cm da estaca para dentro do substrato.